A utilização da alienação fiduciária como forma de garantia contratual já é muito conhecida de todos, sendo especialmente utilizada em contratos de compra e venda de imóveis, onde ocorre a transferência da propriedade do imóvel ao credor em razão do empréstimo dos valores necessários para aquisição desse bem.

Segundo dados apresentados pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias – Abrainc, mais de 92% dos financiamentos imobiliários foram garantidos por alienação fiduciária em 2020[1].

Por se tratar de altas quantias envolvidas, a liberação de crédito condicionada a apresentação de garantia robusta, como é o caso do bem imóvel, se mostra essencial para que ocorra o efetivo retorno dos recursos utilizados e seja possível manter a cadeia de consumo no mercado imobiliário, já que nesses casos, o risco do negócio, ou seja, o risco do inadimplemento contratual, é extremamente alto e recai diretamente sobre as instituições financeiras que o concederam.

Por essa razão, a Lei de Alienação Fiduciária – Lei n° 9.514 de 1997 – estabelece através dos artigos 26 e seguintes, procedimento próprio de execução extrajudicial da dívida, que consiste, em linhas gerais, na constituição em mora do devedor/fiduciante mediante intimação pessoal e consolidação da propriedade em nome do fiduciário em caso de não purgação da mora no prazo estabelecido no contrato.

Fato é que ao longo dos anos, a Lei de Alienação Fiduciária foi constantemente objeto de atualizações pelos legisladores e interpretações dos Tribunais Superiores.

Recentemente, o tema voltou a ganhar os noticiários do País em razão do julgamento do Recurso Extraordinário n° 860.631/SP pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – Tema Repetitivo com repercussão geral n° 982 de relatoria do Min. Luiz Fux.

O Tema Repetitivo n° 982 tinha como objetivo dirimir a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial nos contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel, pelo Sistema Financeiro Imobiliário – SFI, conforme previsto na Lei n. 9.514/1997.

Ao julgar o tema, o STF avaliou todos os reflexos econômico-financeiros que eventual exigência de judicialização da execução dos contratos de mútuo traria tanto sob a ótica das instituições financeiras que concedem crédito para aquisição de imóveis nessa modalidade, quanto sob a perspectiva dos compradores/fiduciantes, tendo em vista o abarrotamento do Poder Judiciário que uma decisão como essa acarretaria.

Ao final, o STF entendeu que o procedimento de execução extrajudicial estabelecido na Lei de Alienação Fiduciária é constitucional, já que não há ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LIV e LV, da CF/88). O Min. Relator, Luiz Fux, faz a seguinte reflexão ao longo do seu voto:

Em que pese se tratar de procedimento extrajudicial, observam-se na demanda executiva referente à alienação fiduciária de bens imóveis regras processuais que se coadunam com as disposições constitucionais e as normas gerais do Código de Processo Civil, aplicáveis a trâmites judiciais envolvendo direitos reais sobre bens imóveis. Com efeito, na linha do que já narrado acima, destaca-se que o procedimento se guia por requisitos essenciais à constituição e desenvolvimento do trâmite extrajudicial ora analisado, tais como: i) a provocação inicial exercida por requerimento do fiduciário; ii) a comunicação oficial do fiduciante por meio de intimação; e iii) a observância a normas de competência, uma vez que o requerimento deve ser apresentado perante o Cartório de Registro Imóveis competente.

Diante dessas relevantes reflexões, restou firmada a seguinte tese: “É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”

A questão envolvendo a necessidade de observância da Lei n° 9.514/97 em situações de manifesto inadimplemento contratual remete a lembrança do posicionamento firmado recentemente pelo STJ por ocasião o julgamento do Resp n° 2.042.232/RN.

Nesse julgamento, ao analisar uma hipótese envolvendo desistência do contrato manifestada por parte do comprador, o e. STJ firmou entendimento no sentido de que, demonstrado o interesse do fiduciante em desfazer o contrato de compra e venda com pacto de alienação fiduciária em razão da ausência de condições financeiras para manter o pactuado, fica caracterizada a quebra antecipada do contrato, pois torna certo o seu futuro inadimplemento, de modo que deve-se aplicar a Lei n° 9.514/97 em detrimento do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista o procedimento próprio de execução previsto naquela lei para situações como essa.

Resta claro, portanto, o alinhamento existente entre o STF e o STJ em relação a necessidade de observância da Lei n° 9.514/97 e do procedimento de execução extrajudicial em casos de manifesto inadimplemento dos contratos de compra e venda firmados com garantia de alienação fiduciária, posicionamento este, que reflete a importância da correta utilização dessa garantia para manutenção do ecossistema do mercado imobiliário.

[1] Fonte: https://cnbsp.org.br/2022/10/26/valor-economico-stj-decide-sobre-financiamento-de-imoveis/ – visto em 20/11/2023

 

Disponível em: https://br.lexlatin.com/opiniao/lei-de-alienacao-fiduciaria-tribunais-superiores-mercado-imobiliario

Autor: Mariana Siqueira Bortolo Regazzo • email: mariana.regazzo@ernestoborges.com.br

A LEI DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA SOB A ÓTICA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES E OS IMPACTOS NO MERCADO IMOBILIÁRIO

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