A desconstituição da coisa julgada é tema sempre debatido e, quando se trata de lei específica, como é o caso daquela que rege os Juizados Especiais, a questão fica ainda mais delicada.

A ação rescisória é um importante mecanismo de correção de vícios de julgamento já transitados, essencial para a manutenção e confiança dos jurisdicionados no sistema jurídico. Ao observarmos os dispositivos que regulamentam o seu cabimento (art. 966 e seguintes do Código de Processo Civil), percebemos, à exceção do art. 966, VII, que se tratam de hipóteses em que a coisa julgada sequer poderia ter se operado, tamanha a injustiça da decisão.

O STF já vinha avançando na autorização para a desconstituição da coisa julgada eivada de grave irregularidade, flexibilizando o rol previsto no CPC/73. Em 2016, com o julgamento da ADI 2418, decidiu pela possibilidade de rescisão da chamada ‘coisa julgada inconstitucional’, regra que ganhou previsão no CPC/15, que entrou em vigência no mesmo ano.

Mas poucos debates quanto à coisa julgada foram tão acalorados quanto a possibilidade de sua flexibilização no âmbito dos Juizados Especiais, já que a Lei 9.099/95 não traz previsão semelhante; ao contrário, seu art. 95 veda a propositura de ação rescisória contra decisões prolatadas sob seu rito. O STJ já tinha se pronunciado no sentido de que incumbe aos Tribunais de Justiça exercer o controle da competência dos Juizados Especiais, mas havia ação que discutindo o tema perante o STF, que, encontrou seu deslinde em novembro de 2023, com a publicação de decisão no Recurso Extraordinário 586068, com repercussão geral  sob o Tema 100.

A decisão reformou o acórdão da 2ª Turma Recursal do Paraná, reestabelecendo a decisão do Juízo de 1º grau do Juizado Especial Federal quanto ao mérito da impugnação ao cumprimento de sentença formulada pelo INSS. No STF a procedência se deu por maioria, seguindo o entendimento do voto do Ministro Gilmar Mendes, e vencidos a Ministra relatora, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Edson Fachin.

O Recurso Extraordinário foi afetado à repercussão geral em 2008, ainda na vigência do CPC/73, porém, a norma questionada, parágrafo único do art. 741 do CPC/73, encontra previsão idêntica no CPC vigente, no § 5º do art. 535. Além disso, o STF realizou modulação temporal dos efeitos da decisão, permitindo desconstituição da coisa julgada no âmbito dos juizados especiais desde que o trânsito em julgado da fase de conhecimento seja posterior a 27 de agosto de 2001.

Por unanimidade, foram fixadas as seguintes teses: “1) é possível aplicar o artigo 741, parágrafo único, do CPC/73, atual art. 535, § 5º, do CPC/2015, aos feitos submetidos ao procedimento sumaríssimo, desde que o trânsito em julgado da fase de conhecimento seja posterior a 27.8.2001; 2) é admissível a invocação como fundamento da inexigibilidade de ser o título judicial fundado em ‘aplicação ou interpretação tida como incompatível com a Constituição’ quando houver pronunciamento jurisdicional, contrário ao decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, seja no controle difuso, seja no controle concentrado de constitucionalidade; 3) o art. 59 da Lei 9.099/1995 não impede a desconstituição da coisa julgada quando o título executivo judicial se amparar em contrariedade à interpretação ou sentido da norma conferida pela Suprema Corte, anterior ou posterior ao trânsito em julgado, admitindo, respectivamente, o manejo (i) de impugnação ao cumprimento de sentença ou (ii) de simples petição, a ser apresentada em prazo equivalente ao da ação rescisória.”

Vê-se das linhas finais do julgamento que o STF buscou preservar o procedimento simplificado dos juizados especiais, fazendo constar que: “(i) se o entendimento do STF for anterior ao fim do processo no juizado, a pessoa poderá pedir ao juiz que impeça o cumprimento da decisão inconstitucional (por impugnação ao cumprimento de sentença); e (ii) se o entendimento do STF for posterior ao fim do processo no juizado, a pessoa poderá pedir ao juiz a revisão da decisão definitiva (por simples petição), desde que no mesmo prazo da ação rescisória (dois anos)”.

Com a força vinculante desta decisão (art. 927, IV do CPC), a solução deverá ser aplicada em cerca de 2.522 casos sobrestados em todo país.

Os principais dados a respeito da repercussão geral podem ser encontrados no site do Supremo Tribunal Federal, em <https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE586068informac807a771oa768sociedadecoisajulgadanosjuizadosespeciaisvF.pdf>.

Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/403176/apos-15-anos-stf-decide-pela-possibilidade-de-desconstituicao 

Autor: Manuelle Senra Colla • email: manuelle.colla@ernestoborges.com.br

TUTELA RESCISÓRIA NO JUIZADO ESPECIAL: APÓS 15 ANOS, STF DECIDE PELA POSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA

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